"Há três coisas
misteriosas demais para mim,
quatro que não consigo entender:o caminho do abutre no céu
o caminho da serpente sobre a rocha
o caminho do navio em alto mar,
e o caminho do homem com uma moça" Provérbios 30:18-19 (NVI), grifo meu
Cenário
Vento sussurante remexe as folhas marrons de um Verão que insiste em chamar-se Outono, um calor do mar se harmoniza com a claridade cada vez menos de uma praça na avenida litorânea no fim da tarde. Enquanto os corpos se mostram fortes e vigorosos na areia da praia, um banco solitário espera que dois amigos, servindo-se dele, possam compartilhar seu momento especial.
Ato I
Eles sentam distantes, os corpos formam um V e a voz tem que ser mais audível para que possam conversar. Riem alto e acham graça do açaí sem graça que insistem em tomar, um belo pretexto para um encontro amigável, eu diria. Os olhos quase sempre se encontram de brincadeira, vez em quando um no outro, mas quase sempre na boca do amigo.
Estão a distrair-se de qualquer assunto que queiram realmente conversar com qualquer assunto do qual não façam a mínima relevância conversarem, ficam assim esperando de cada um o primeiro passo de romper com a barreira da mesmice para um lugar especial em que possam sentir e falar a mesma coisa.
Ato II
A música do encontro, animada pela tarde proveitosa se torna mais lenta e o Sol brinda a sua morte com um tom laranja avermelhado que levam os dançarinos a chegarem um mais perto do outro. Lado a lado, olhando para o mesmo ponto cego no plano de fundo infinito, encarando a metáfora do nosso caminho de um dia cessar sua luz nesse ponto limitado da eternidade.
Nesse momento a alegria juvenil da tarde parecesse menos real ou proveitosa e essa experiência estética leva ambos a perceberem, sem falar uma palavra sequer, que não adianta calar a voz altissonante dos seus sentimentos um pelo outro. O vento continua brincando com as folhas dos coqueiros e quando já não há desculpas, distrações ou diversões os lábios deixam de falar do fútil e unem-se para expressar o carinho mais terno e sincero do coração de cada um.
Ato Final
A barreira da tolice da trivialidade é reposta, ao invés de aproveitarem o sentimento de fusão consigo e com o outro, cada um recorre ao tipo de namorado e passam agora a se tratar como a cultura significa esse momento único e raro onde duas pessoas sentem e vivem como se fossem uma.
Mãos dadas, levantam-se do banco sem mesmo ver que a Lua começa a relembrar que o Sol, mesmo morto em sua experiência e percepção, ilumina-os indiretamente. O vento agora decidiu-se brincar violentamente com as ondas e mostrar sua força enquanto os bailarinos deixam a praça, o banco, o açaí sem graça e partem para a vida onde o tempo pode ser medido em segundos e o eterno momento de comunhão pode ser observado apenas como o primeiro beijo de um casal de namorados.
Poslúdio
Um bemtevi canta distante numa tamarineira enquanto no banco da praça senta um velho. Depositando um chapeú ao seu lado, como se figurando alguma companhia, olha pra Lua. A mesmo que um dia nem percebeu, mas agora é sua companhia solitária e com quem compartilha ser apenas o reflexo parco de uma luz que já iluminou e aqueceu um coração.
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